quinta-feira, 24 de maio de 2012

LAMPIÃO E O FOGO DA MARANDUBA

 O ferrenho combate denominado “Fogo da Maranduba”, ocorreu no dia 9 de janeiro de 1932, na Fazenda Maranduba, município de Poço Redondo, aqui no nosso querido Estado de Sergipe, cujo intenso e sangrento tiroteio é considerado um dos três maiores enfrentamentos entre cangaceiros e policiais volantes na história do cangaço. Dizem os pesquisadores e historiadores que esse combate só é comparado à sangrenta batalha de Serra Grande, em Pernambuco e ao não menos cruento embate de Serrote Preto, nas Alagoas. As baixas em Maranduba foram muitas e das polícias volantes comandadas pelos audazes combatentes perseguidores Tenente Manuel Neto e Capitão Liberato, contabilizaram-se oito mortos e diversos feridos, enquanto que, por parte dos perseguidos cangaceiros somente três mortos e um ferido.

Sem sombra de dúvida, os três combates acima citados se notabilizaram por seus aspectos grandiosos e pela engenhosidade de um líder inconteste, o famigerado estrategista Lampião. O famoso bandoleiro à frente de seus cangaceiros, sempre em inferioridade numérica viria a alcançar essas três vitórias fragorosas, imprimindo vergonha às hostes governamentais, provando assim que as Forças policiais volantes agiam mais com a emoção transpondo a própria razão, que na verdade não passavam de atrapalhados soldados de guerra e apesar das diversas batalhas desenvolvidas com os cangaceiros em aproximadamente vinte anos de atuação, nunca conseguiram atingir os seus objetivos, a não ser em 28 de julho de 1938, mesmo assim por conta da traição do coiteiro Pedro de Cândido – torturado ou não – que levou o então Tenente João Bezerra da Força policial alagoana até a grota do Angico, em Sergipe, massacrando o bando de surpresa em uma madrugada e pondo fim à carreira criminosa do maior dos cangaceiros das terras nordestinas.

Adentrando na questão dos personagens policiais militares que participaram do “Fogo da Maranduba”, bem verdade é que o Tenente Zé Rufino da Força policial baiana, o “grande caçador de cangaceiros”, se fez presente nessa refrega, mas não em comando e sim comandado pelo Tenente do Exército Brasileiro, Liberato de Carvalho. Das baixas fatais da Força pública, quatro pertenciam à tropa do Capitão Liberato de Carvalho, da Bahia, e quatro da tropa do bravo nazareno Tenente Manoel Neto, de Pernambuco. Do pelotão sob o comando do Capitão Liberato de Carvalho sucumbiram Elias Marques, João de Anízia, Pedrinho de Paripiranga e Manoel Ventura. De Nazaré, ou seja, dos nazarenos comandados por Manoel Neto, morreram no combate Hercílio de Souza Nogueira e seu irmão Adalgiso de Souza Nogueira, João Cavalcanti de Albuquerque e Antônio Benedito da Silva.

Da batalha que teve início por volta do meio dia e se estendeu até o por do sol, consta que ali estavam os cangaceiros se preparando para comer, para depois nas pias existentes, ou seja, nas águas empoçadas entre as pedras, abastecerem os seus cantis e seguirem sertão adentro nas suas tristes sinas de crimes de todos os tipos e eterna fuga. Naquele dia, pensando surpreender o bando, os policiais volantes no escaldante sol, se aproximaram pela caatinga da Fazenda Maranduba, mas terminaram cometendo os mesmos erros de combates anteriores. Contando como vitória certa os policiais subestimaram os adversários, principalmente por se encontrarem em supremacia numérica de homens que era de aproximadamente três vezes mais, daí acabaram envolvidos por várias linhas de tiros engenhosamente armadas por Lampião e seus comandados.

Desse sangrento combate, em rápida análise, qualquer um pode imaginar, que a despeito das batalhas de Serra Grande e Serrote Preto, mais uma vez, os comandantes das Forças policiais presentes em Maranduba, acreditaram que a superioridade que detinham em homens e armas seria um fator de desequilíbrio no embate, dando provas de que a inteligência que deveria haver inerente aos verdadeiros líderes sempre ficou abaixo dos arroubos das suas valentias. A raiva, a fúria e a arrogância foram confrontadas com o sangue-frio, a paciência e a inteligência de Lampião.

Assim, cautelosamente Lampião, como grande estrategista de guerrilhas que era, postou seus homens entrincheirados em sete Umbuzeiros ali existentes, de modo que os soldados ao entrarem arrojadamente no campo de fogo, ficaram cercados, encurralados, ou seja, em fogo cruzado, feito baratas tontas, alvos fáceis dos cangaceiros.

Ressalta-se que nesta batalha, para a importância na história das lutas sociais do Nordeste, outro ponto há de ser ressaltado, ou seja, referente à participação efetiva dos aguerridos e temíveis nazarenos, os homens de Nazaré, uma Força policial pernambucana dedicada em tempo integral na caça a Lampião e seu bando, corajosos policiais lendários dos sertões nordestinos, famosos pela persistência de não desistirem nunca do seu objetivo, destemidos cabras-machos que andaram nos rastros dos cangaceiros por cerca de vinte anos.

Em recente visita ao cenário da batalha notei que pouco se conservou. A casa sede da Fazenda Maranduba toda ruiu, a vegetação típica da caatinga da época virou uma grande roça de palma para alimentar o gado, poucas pedras, as pias secas, apenas três dos enigmáticos Umbuzeiros ainda persistem em viver, além da Cruz que marca o local do sepultamento dos policiais, testemunham contra o tempo, aquela que foi uma das mais significativas vitórias de Virgulino Lampião.

Autor: Archimedes Marques (Delegado de Policia no Estado de Sergipe. Pós-Graduado em Gestão Estratégica de Segurança Pública pela Universidade Federal de Sergipe) archimedes-marques@bol.com.br

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Traição e morte dentro do cangaço

imageConsta da história que o sanguinário e impiedoso cangaceiro Zé Baiano, chefe de um dos grupos de Lampião, atuava principalmente na região de Frei Paulo e adjacências, no nosso querido Estado de Sergipe, inclusive era um rico bandido que tinha a audácia de também ser um forte agiota, emprestando dinheiro a juros exorbitantes para fazendeiros e comerciantes daquelas cercanias.

O famoso bandoleiro ferrador Zé Baiano, apesar da sua feiúra em todos os sentidos, tinha o privilégio de ter como companimageheira a mais linda e atraente das cangaceiras, Lídia. Contaram os remanescentes do cangaço, mais de perto os então cangaceiros sobreviventes e alguns ex-coiteiros e protetores de Lampião, que a linda Lídia era daquelas mulheres de “fechar quarteirão”, de deixar todos os cabras-machos “babando” de desejo, principalmente quando se apresentava saindo dos rios ou lagoas em vestido molhado e colado ao seu estrutural corpo. Diziam ser um verdadeiro deslumbre de se ver a cangaceira Lídia no seu andar provocante, mas infelizmente não há uma fotografia dela sequer para assim comprovar tal beleza.

Por isso era admirada e desejada por todos os cangaceiros, mas ninguém se atrevia a dar uma “cantada” na moça, até porque, apesar de todos ali serem bandidos perigosos, havia muito respeito dentro do acampamento. Essa era uma das regras impostas e prova inconteste da liderança e comando de Lampião, ou seja, exigia o chefe, acima de tudo, que todos se respeitassem mutuamente e que só houvesse sexo entre os casais devidamente conquistados e efetivados. Além disso tudo, o próprio Zé Baiano, pela sua crueldade, era dos mais respeitados dentro do bando e mais ainda fora do acampamento, onde quer que chegasse. O seu nome fazia arrepiar e tremer de medo qualquer um, talvez até mais do que o próprio Lampião que era bem mais complacente. Um temível cangaceiro acostumado a ferrar mulheres com ferro em brasa com as iniciais JB nos seus rostos, virilhas ou nádegas somente pelo simples fato delas usarem cabelos curtos, maquiagens ou roupas decotadas. Enfim, um psicopata impiedoso, ignorante em todos os sentidos que matava, estuprava, roubava e torturava as suas vítimas sem dó ou piedade.

Ocorre, porém, que o desejo da carne terminou sobrepondo todos os perigos possíveis e assim a linda cangaceira Lídia terminou por ceder ou mesmo procurou os encantos do cangaceiro conhecido por Bem-te-vi e com ele passou a cometer adultério em eloquentes e quentes encontros sexuais dentro do mato quando da ausência de Zé Baiano no acampamento. No entanto, o cangaceiro Besouro que também já estava de olho em Lídia há algum tempo e até desconfiado que ela traia Zé Baiano com o Bem-te-vi, certo dia seguiu os dois quando eles entraram disfarçadamente mato adentro, pegando-os em flagrante na hora do ardente sexo. Daí fez uma proposta para a Lídia que se ela também mantivesse relações sexuais com ele, o segredo ficaria somente entre os três, caso contrário ele contaria tudo a Zé Baiano. Indignada, a corajosa Lídia retrucou agressivamente com palavras de baixo calão o cangaceiro Besouro e sua indecente chantagem.

Então, naquela mesma noite, quando todos estavam reunidos em volta a uma fogueira, contando e recontando as diversas histórias de Trancoso, histórias de assombração, histórias de botijas e histórias diversas das guerras do cangaço, o bandido flagranteador Besouro provocou a Lídia que apesar de tudo não arrefeceu mostrando força, coragem e determinação mesmo sabendo que tal gesto poderia valer a sua própria vida.

Presentes estavam os maiorais do cangaço que “lavaram as suas mãos” sem interferirem na decisão, a exemplo do supremo chefe Lampião e de outros da sua inteira confiança como Corisco, Luís Pedro, Moreno, Virginio e Labareda, além do próprio traído, cangaceiro Zé Baiano. Corajosa, afoita, determinada, atrevida no atrevimento suicida das mulheres decididas da época e até mesmo inconsequente para o momento, Lídia repeliu o seu companheiro surpreso e enlouquecido de raiva e ódio, Zé Baiano, exclamando em alto e bom som: Estive com ele, sim!... Que tem isso?... O que é meu eu dou a quem quero!...

Enlouquecido em místico de vergonha, raiva, ódio e desespero ao mesmo tempo, Zé Baiano arrastou Lídia até uma árvore ali perto e após amarrá-la, matou-a impiedosamente a cacetadas e depois chorou copiosamente a perda do seu grande amor, enterrando o seu tão desfigurado corpo do que antes tinha sido uma linda mulher. Para ele a sua honra fora lavada com o sangue da traidora. A partir de então Zé Baiano que já era malvado ficou ainda pior, principalmente contra as mulheres.

Já o cangaceiro delator, Besouro, foi morto ali mesmo por ordem de Lampião no momento em que Lídia disse que ele assim tinha denunciado o fato em contrapartida dela não ter aceitado também transar com ele. Por sua vez, o cangaceiro Bem-te-vi logo no início da conversa, de um pulo, tratou de fugir na escuridão, mato adentro em desabalada carreira para nunca mais se ter notícias dele.

Era um tempo atroz em que não se aceitavam traições femininas em hipótese alguma e quem assim se atrevesse a contrariar as regras pagava com a sua própria vida.

Autor: Archimedes Marques (delegado de Policia no Estado de Sergipe. Pós-Graduado em Gestão Estratégica de Segurança Pública pela Universidade Federal de Sergipe) archimedes-marques@bol.com.br