sábado, 12 de janeiro de 2013

UMA INSENSATA RESOLUÇÃO NA SEGURANÇA PÚBLICA DE SÃO PAULO

 

Dentro dessa espécie de guerra urbana e social contra a violência diária, contra a marginalidade que cresce assustadoramente, contra a criminalidade que aumenta gradativamente a todo tempo em todo lugar, comprova-se que o Estado protetor mostra-se ineficiente para debelar tão afligente problemática e por isso teima em produzir programas, atos e resoluções emergentes que surgem e insurgem sem atingir os seus reais objetivos, quais sejam, beneficiar a população.

Nesse parâmetro nasceu em 8 de Janeiro deste ano no mais importante Estado do País, São Paulo, uma Resolução da lavra do Senhor Secretário da Segurança Pública, que além de insensata em absoluto atropela nossas leis maiores, pondo em xeque a atuação da gloriosa polícia paulistana que assim passa a praticar o crime de omissão de socorro. Da citada Resolução todos os policiais do Estado de São Paulo que atendem nas diversas ocorrências criminosas autores ou vítimas com ferimentos leves ou graves não podem mais socorrê-los. Tais pessoas, agora, necessitando de urgência ou não, obrigatoriamente terão de ser resgatadas pelo SAMU (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) ou pela equipe de emergência médica local.

As principais justificativas para tal medida, pelo menos as divulgadas na mídia, seriam a preservação do local do crime para a consequente perícia técnica, assim como, pelo fato de que muitas vezes a polícia ao dar socorro ao bandido ferido termina por matá-lo dentro da viatura antes da sua chegada ao Hospital, para tanto serviu de subsídio na imprensa um caso em que supostamente um cidadão teria tomado dois tiros e após ser socorrido pelos policiais chegou na Casa de Saúde, já morto, com três perfurações provenientes de arma de fogo.

Dentro desse segundo contexto a polícia deixaria de praticar crime de homicídio em alguns casos contra o marginal ferido, entretanto, em contra partida, por dedução lógica, a partir de então passaria tal Autoridade Pública a praticar o crime de omissão de socorro que em conseqüência pode gerar a morte ou deixar seqüelas graves tanto no próprio bandido ferido ou mesmo na vítima em agonia, seja ela criança, mulher ou velho. Trocando em miúdos: o cidadão é assaltado, toma um tiro ou é barbaramente espancado pelo marginal e precisa de socorro urgente, daí chega a polícia, mas não pode socorrê-lo. Resguarda o local do crime e espera pelo socorro médico que pode chegar logo ou pode demorar o suficiente para que não dê mais tempo de um tratamento adequado.

Assim, tal Resolução, além de ferir ainda mais a própria vítima então ferida, ainda fere de morte o nosso Código Penal, fazendo com que os policiais pratiquem o crime de omissão de socorro, senão vejamos o dispositivo pertinente:

Omissão de socorro

Art. 135 - Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

Parágrafo único - A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte.

E a razão de ser de tal dispositivo penal encontra fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana, insculpido no Art. 1º, Inciso III, da Constituição Federal. A ninguém, quanto mais a uma Autoridade Pública, é dado assistir passivamente ao martírio de uma vítima, quando possível socorrê-la, mormente no caso de demora excessiva da chegada da equipe do SAMU.

Adentrando no mérito das supostas justificativas para tal medida, há de se observar que a preservação do local do crime intacta, inclusive com a vítima exposta no lugar do fato, será desfeita com a chegada do SAMU, a não ser que a perícia técnica chegue antes do socorro médico, fato praticamente impossível de ocorrer vez que o contingente policial civil é ínfimo para a grande quantidade de perícias a ser efetuadas, ademais, o exame de corpo de delito na vítima é prova principal em tais crimes e isso deve ser realizado no Hospital ou no Instituto Médico Legal posteriormente. Por fim, de tudo há de se ponderar também que a preservação do local do crime não se sobrepõe ao direito à vida e à saúde de outrem.

No outro ponto, na questão das supostas execuções de marginais dentro das viaturas policiais no trajeto do Hospital, é bem sabido que as Corregedorias de Policia foram criadas para investigar e corrigir os deslizes dos seus membros. Assim, tais justificativas nada justificam a medida.

Certamente que uma Resolução provinda de uma Secretaria de Estado não possui envergadura legislativa para abolir o disposto na legislação federal vigente e na Constituição da República. Ou seja, a inconstitucionalidade formal, além de material, também é latente, razão pela qual tal medida não prosperará, entretanto, enquanto isso, vidas valorosas de pessoas inocentes podem ser perdidas por conta dessa insensata Resolução.

Autor: Archimedes Marques (Delegado de Policia no Estado de Sergipe. Pós-Graduado em Gestão Estratégica de Segurança Pública pela Universidade Federal de Sergipe) archimedes-marques@bol.com.br

quinta-feira, 24 de maio de 2012

LAMPIÃO E O FOGO DA MARANDUBA

 O ferrenho combate denominado “Fogo da Maranduba”, ocorreu no dia 9 de janeiro de 1932, na Fazenda Maranduba, município de Poço Redondo, aqui no nosso querido Estado de Sergipe, cujo intenso e sangrento tiroteio é considerado um dos três maiores enfrentamentos entre cangaceiros e policiais volantes na história do cangaço. Dizem os pesquisadores e historiadores que esse combate só é comparado à sangrenta batalha de Serra Grande, em Pernambuco e ao não menos cruento embate de Serrote Preto, nas Alagoas. As baixas em Maranduba foram muitas e das polícias volantes comandadas pelos audazes combatentes perseguidores Tenente Manuel Neto e Capitão Liberato, contabilizaram-se oito mortos e diversos feridos, enquanto que, por parte dos perseguidos cangaceiros somente três mortos e um ferido.

Sem sombra de dúvida, os três combates acima citados se notabilizaram por seus aspectos grandiosos e pela engenhosidade de um líder inconteste, o famigerado estrategista Lampião. O famoso bandoleiro à frente de seus cangaceiros, sempre em inferioridade numérica viria a alcançar essas três vitórias fragorosas, imprimindo vergonha às hostes governamentais, provando assim que as Forças policiais volantes agiam mais com a emoção transpondo a própria razão, que na verdade não passavam de atrapalhados soldados de guerra e apesar das diversas batalhas desenvolvidas com os cangaceiros em aproximadamente vinte anos de atuação, nunca conseguiram atingir os seus objetivos, a não ser em 28 de julho de 1938, mesmo assim por conta da traição do coiteiro Pedro de Cândido – torturado ou não – que levou o então Tenente João Bezerra da Força policial alagoana até a grota do Angico, em Sergipe, massacrando o bando de surpresa em uma madrugada e pondo fim à carreira criminosa do maior dos cangaceiros das terras nordestinas.

Adentrando na questão dos personagens policiais militares que participaram do “Fogo da Maranduba”, bem verdade é que o Tenente Zé Rufino da Força policial baiana, o “grande caçador de cangaceiros”, se fez presente nessa refrega, mas não em comando e sim comandado pelo Tenente do Exército Brasileiro, Liberato de Carvalho. Das baixas fatais da Força pública, quatro pertenciam à tropa do Capitão Liberato de Carvalho, da Bahia, e quatro da tropa do bravo nazareno Tenente Manoel Neto, de Pernambuco. Do pelotão sob o comando do Capitão Liberato de Carvalho sucumbiram Elias Marques, João de Anízia, Pedrinho de Paripiranga e Manoel Ventura. De Nazaré, ou seja, dos nazarenos comandados por Manoel Neto, morreram no combate Hercílio de Souza Nogueira e seu irmão Adalgiso de Souza Nogueira, João Cavalcanti de Albuquerque e Antônio Benedito da Silva.

Da batalha que teve início por volta do meio dia e se estendeu até o por do sol, consta que ali estavam os cangaceiros se preparando para comer, para depois nas pias existentes, ou seja, nas águas empoçadas entre as pedras, abastecerem os seus cantis e seguirem sertão adentro nas suas tristes sinas de crimes de todos os tipos e eterna fuga. Naquele dia, pensando surpreender o bando, os policiais volantes no escaldante sol, se aproximaram pela caatinga da Fazenda Maranduba, mas terminaram cometendo os mesmos erros de combates anteriores. Contando como vitória certa os policiais subestimaram os adversários, principalmente por se encontrarem em supremacia numérica de homens que era de aproximadamente três vezes mais, daí acabaram envolvidos por várias linhas de tiros engenhosamente armadas por Lampião e seus comandados.

Desse sangrento combate, em rápida análise, qualquer um pode imaginar, que a despeito das batalhas de Serra Grande e Serrote Preto, mais uma vez, os comandantes das Forças policiais presentes em Maranduba, acreditaram que a superioridade que detinham em homens e armas seria um fator de desequilíbrio no embate, dando provas de que a inteligência que deveria haver inerente aos verdadeiros líderes sempre ficou abaixo dos arroubos das suas valentias. A raiva, a fúria e a arrogância foram confrontadas com o sangue-frio, a paciência e a inteligência de Lampião.

Assim, cautelosamente Lampião, como grande estrategista de guerrilhas que era, postou seus homens entrincheirados em sete Umbuzeiros ali existentes, de modo que os soldados ao entrarem arrojadamente no campo de fogo, ficaram cercados, encurralados, ou seja, em fogo cruzado, feito baratas tontas, alvos fáceis dos cangaceiros.

Ressalta-se que nesta batalha, para a importância na história das lutas sociais do Nordeste, outro ponto há de ser ressaltado, ou seja, referente à participação efetiva dos aguerridos e temíveis nazarenos, os homens de Nazaré, uma Força policial pernambucana dedicada em tempo integral na caça a Lampião e seu bando, corajosos policiais lendários dos sertões nordestinos, famosos pela persistência de não desistirem nunca do seu objetivo, destemidos cabras-machos que andaram nos rastros dos cangaceiros por cerca de vinte anos.

Em recente visita ao cenário da batalha notei que pouco se conservou. A casa sede da Fazenda Maranduba toda ruiu, a vegetação típica da caatinga da época virou uma grande roça de palma para alimentar o gado, poucas pedras, as pias secas, apenas três dos enigmáticos Umbuzeiros ainda persistem em viver, além da Cruz que marca o local do sepultamento dos policiais, testemunham contra o tempo, aquela que foi uma das mais significativas vitórias de Virgulino Lampião.

Autor: Archimedes Marques (Delegado de Policia no Estado de Sergipe. Pós-Graduado em Gestão Estratégica de Segurança Pública pela Universidade Federal de Sergipe) archimedes-marques@bol.com.br

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Traição e morte dentro do cangaço

imageConsta da história que o sanguinário e impiedoso cangaceiro Zé Baiano, chefe de um dos grupos de Lampião, atuava principalmente na região de Frei Paulo e adjacências, no nosso querido Estado de Sergipe, inclusive era um rico bandido que tinha a audácia de também ser um forte agiota, emprestando dinheiro a juros exorbitantes para fazendeiros e comerciantes daquelas cercanias.

O famoso bandoleiro ferrador Zé Baiano, apesar da sua feiúra em todos os sentidos, tinha o privilégio de ter como companimageheira a mais linda e atraente das cangaceiras, Lídia. Contaram os remanescentes do cangaço, mais de perto os então cangaceiros sobreviventes e alguns ex-coiteiros e protetores de Lampião, que a linda Lídia era daquelas mulheres de “fechar quarteirão”, de deixar todos os cabras-machos “babando” de desejo, principalmente quando se apresentava saindo dos rios ou lagoas em vestido molhado e colado ao seu estrutural corpo. Diziam ser um verdadeiro deslumbre de se ver a cangaceira Lídia no seu andar provocante, mas infelizmente não há uma fotografia dela sequer para assim comprovar tal beleza.

Por isso era admirada e desejada por todos os cangaceiros, mas ninguém se atrevia a dar uma “cantada” na moça, até porque, apesar de todos ali serem bandidos perigosos, havia muito respeito dentro do acampamento. Essa era uma das regras impostas e prova inconteste da liderança e comando de Lampião, ou seja, exigia o chefe, acima de tudo, que todos se respeitassem mutuamente e que só houvesse sexo entre os casais devidamente conquistados e efetivados. Além disso tudo, o próprio Zé Baiano, pela sua crueldade, era dos mais respeitados dentro do bando e mais ainda fora do acampamento, onde quer que chegasse. O seu nome fazia arrepiar e tremer de medo qualquer um, talvez até mais do que o próprio Lampião que era bem mais complacente. Um temível cangaceiro acostumado a ferrar mulheres com ferro em brasa com as iniciais JB nos seus rostos, virilhas ou nádegas somente pelo simples fato delas usarem cabelos curtos, maquiagens ou roupas decotadas. Enfim, um psicopata impiedoso, ignorante em todos os sentidos que matava, estuprava, roubava e torturava as suas vítimas sem dó ou piedade.

Ocorre, porém, que o desejo da carne terminou sobrepondo todos os perigos possíveis e assim a linda cangaceira Lídia terminou por ceder ou mesmo procurou os encantos do cangaceiro conhecido por Bem-te-vi e com ele passou a cometer adultério em eloquentes e quentes encontros sexuais dentro do mato quando da ausência de Zé Baiano no acampamento. No entanto, o cangaceiro Besouro que também já estava de olho em Lídia há algum tempo e até desconfiado que ela traia Zé Baiano com o Bem-te-vi, certo dia seguiu os dois quando eles entraram disfarçadamente mato adentro, pegando-os em flagrante na hora do ardente sexo. Daí fez uma proposta para a Lídia que se ela também mantivesse relações sexuais com ele, o segredo ficaria somente entre os três, caso contrário ele contaria tudo a Zé Baiano. Indignada, a corajosa Lídia retrucou agressivamente com palavras de baixo calão o cangaceiro Besouro e sua indecente chantagem.

Então, naquela mesma noite, quando todos estavam reunidos em volta a uma fogueira, contando e recontando as diversas histórias de Trancoso, histórias de assombração, histórias de botijas e histórias diversas das guerras do cangaço, o bandido flagranteador Besouro provocou a Lídia que apesar de tudo não arrefeceu mostrando força, coragem e determinação mesmo sabendo que tal gesto poderia valer a sua própria vida.

Presentes estavam os maiorais do cangaço que “lavaram as suas mãos” sem interferirem na decisão, a exemplo do supremo chefe Lampião e de outros da sua inteira confiança como Corisco, Luís Pedro, Moreno, Virginio e Labareda, além do próprio traído, cangaceiro Zé Baiano. Corajosa, afoita, determinada, atrevida no atrevimento suicida das mulheres decididas da época e até mesmo inconsequente para o momento, Lídia repeliu o seu companheiro surpreso e enlouquecido de raiva e ódio, Zé Baiano, exclamando em alto e bom som: Estive com ele, sim!... Que tem isso?... O que é meu eu dou a quem quero!...

Enlouquecido em místico de vergonha, raiva, ódio e desespero ao mesmo tempo, Zé Baiano arrastou Lídia até uma árvore ali perto e após amarrá-la, matou-a impiedosamente a cacetadas e depois chorou copiosamente a perda do seu grande amor, enterrando o seu tão desfigurado corpo do que antes tinha sido uma linda mulher. Para ele a sua honra fora lavada com o sangue da traidora. A partir de então Zé Baiano que já era malvado ficou ainda pior, principalmente contra as mulheres.

Já o cangaceiro delator, Besouro, foi morto ali mesmo por ordem de Lampião no momento em que Lídia disse que ele assim tinha denunciado o fato em contrapartida dela não ter aceitado também transar com ele. Por sua vez, o cangaceiro Bem-te-vi logo no início da conversa, de um pulo, tratou de fugir na escuridão, mato adentro em desabalada carreira para nunca mais se ter notícias dele.

Era um tempo atroz em que não se aceitavam traições femininas em hipótese alguma e quem assim se atrevesse a contrariar as regras pagava com a sua própria vida.

Autor: Archimedes Marques (delegado de Policia no Estado de Sergipe. Pós-Graduado em Gestão Estratégica de Segurança Pública pela Universidade Federal de Sergipe) archimedes-marques@bol.com.br

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

O PROIBIDO REXSPY

 

A espionagem que é instrumento de guerra usado desde os tempos remotos e também utilizado pelas polícias de todo o mundo como uma ferramenta importante na investigação e elucidação de crimes, com a modernidade ganhou meios tecnológicos importantíssimos para fortalecer o seu lado positivo. Mas também tem seu lado negativo, isto quando está a serviço daqueles que agem à margem da lei.

No atual tempo, no tempo da internet e dos celulares, encontramos diversos programas, que hoje não estão agrupadas somente ao imaginário da ficção cientifica, nem tampouco são usados somente nas necessárias investigações criminais, como também para praticar crimes.

Por obvio, para o bem geral, a polícia tem que estar bem estruturada e possuir equipamentos eletrônicos capazes de promover dentre outros, o chamado popularmente “grampo telefônico” cada vez em maior e melhor escala para bem acompanhar e combater a escalada do crime, quando, obviamente, autorizado por decisão judicial.

Entretanto, a tecnologia já alcançou um programinha denominado de REXSPY, e até outro do mesmo gênero, uma espécie de vírus que consegue, com uma facilidade espantosa, grampear qualquer telefone celular, transformando também o aparelho em uma espécie de microfone, permitindo que aquele que realizou o grampo passe a escutar e gravar toda a conversa havida entre o usuário do celular grampeado e seus interlocutores.

O REXSPY ao ser instalado no celular, funciona como uma ponte de um telefone para outro, e para grampear só é preciso do número de telefone a quem se quer monitorar. Depois o Programa envia vírus para o telefone grampeado. Pronto, simples e rápido: O REXSPY já fez seu trabalho. Daí em diante o telefone grampeador recebe um SMS toda vez que o telefone grampeado for usado. Além da escuta da conversa do telefone grampeado pode também ser escutado o que está acontecendo no ambiente ao seu redor. Além disso tudo, a partir de então, para completar a lesão absoluta da vítima, o telefone “espião” passa a ter acesso a todos os dados do aparelho grampeado, como a sua agenda telefônica, mensagens de texto, fotos e vídeos.

A demonstração sobre o programa REXSPY foi feita há alguns meses atrás a um público de agentes de inteligência de diversos órgãos como a Polícia Federal, a Agência Brasileira de Inteligência, o Tribunal de Contas da União e a Corregedoria Geral da União, reunidos em seminário promovido pela Comunidade de Inteligência Policial e Análise Evidencial.

Com apenas um celular nas mãos, o presidente da Companhia SecurStar, Wilfried Hafner, foi capaz de grampear conversas telefônicas, acessar dados de outros aparelhos e usar os celulares grampeados como microfones para escutas ambientais. O programa espião então denominado REXSPY foi desenvolvido por sua empresa para mostrar a vulnerabilidade do sistema de telefonia celular. De acordo com ele, versões similares do vírus circulam pela internet em comunidades de hackers, principalmente na China e Coréia do Sul.

Wilfried Hafner mostrou ainda a possibilidade de se adquirir pela internet um programa chamado FlexiSpy, que também permite o grampo de celulares, mas, diferente dos vírus similares ao REXSPY, é preciso instalá-lo diretamente no celular, o que dificulta seu uso. O produto pode ser adquirido por cerca de R$ 250 e, na maioria das vezes, tem sido usado, segundo a empresa, por mulheres que querem monitorar seus maridos, ou vice-versa.

Essa tecnologia do programa REXSPY, infelizmente, pode já estar sendo usada pelo crime organizado e pelos grandes traficantes de drogas, além da espionagem industrial, para monitorar a ação de suas vítimas e consequentemente da Polícia, do Ministério Público e da Justiça. Assim, chegou mais um grande problema para dificultar ainda mais o trabalho das autoridades competentes no combate ao crime.

Contudo, não devemos esquecer que usar tal subterfúgio tecnológico tanto do REXSPY ou qualquer similar aqui no Brasil, protegendo o direito constitucional da liberdade de comunicação do cidadão, constitui crime previsto na Lei nº 9296/96, mais conhecida como Lei da Interceptação Telefônica, qual seja a sua previsão:

Art. 10. Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados sem lei. Pena: reclusão, de dois a quatro anos, e multa.

Assim, há de se alertar ao bom e ordeiro povo brasileiro que não caia na armadilha de instalar um programa REXSPY ou similar no seu celular, pois se assim o fizer, estará sujeito a sentir o peso da lei.

Autor: Archimedes Marques (Delegado de Policia no Estado de Sergipe. Pós-Graduado em Gestão Estratégica de Segurança Pública pela Universidade Federal de Sergipe). archimedes-marques@bol.com.br

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

O PODER SOBRENATURAL DO CRACK

Há algum tempo atrás um cidadão aparentando ter pouco mais de trinta anos, vagava pelas ruas centrais de Aracaju, como de costume, pois noutra vez eu já tinha observado os seus passos nas mesmas cercanias. Mostrava estar triste e deprimido como nunca, talvez como sempre. O dia de sábado era como outro qualquer na sua vida e na vida da cidade, pois o vento que soprava quente era o mesmo, o sol abrasante e causticante a tudo esquentar era o mesmo, as pessoas indiferentes, passando de um lado para o outro das ruas e nas calçadas, afastando-se do citado cidadão em misto de medo e asco eram as mesmas, a agencia bancaria a qual ele entrara era também a mesma. Entretanto, aquele carrancudo cidadão, barbudo, cabeludo, sujo, maltrapilho, esquelético, parecendo seriamente doente me lembrava de alguém, alguém conhecido, alguém que um dia já mantivera algum tipo de contato verbal comigo, mas, por mais que eu tentasse me lembrar de quem seria aquela misteriosa pessoa não conseguia. Demasiadamente curioso, dessa vez olhei mais demoradamente para aquele estranho e intrigante cidadão enquanto ele tirava dinheiro no cash do banco no mesmo instante em que as outras pessoas que ali estavam presentes trataram de fugir do recinto pensando ser ele um assaltante, um bandido ou delinquente qualquer, talvez um maluco andarilho. Ele não demostrou surpresa pelo fato das pessoas assim agirem, parecia acostumado com isso, com essa humilhação, sabia que a sua aparência era assustadora apesar de saber que não era um marginal, parecia não estar ali naquele momento, noutro mundo, não ligar para o que acontecia a sua volta, parecia nada temer, talvez se a Terra explodisse para ele seria normal. Temia somente um novo ataque de bronquite que se avolumava no seu pulmão devido a tosse grossa e pesada que insistia na sua garganta a fazer tremer a sua longa e imunda barba que carregava em igual modo com o seu cabelo escarafunchado e embuchado tal qual uma casa de cupim . As suas perspectivas eram as piores possíveis. Certamente mergulhado em pensamentos pessimistas, nem sequer notou que eu sem disfarçar tanto olhava para ele querendo me lembrar de onde o conhecia, até que o guarda do banco chegou de um possível cafezinho e me falou: - Tá vendo o que o crack faz? ... Ele era um Advogado!...

Foi aí que tudo emergiu, veio à tona; foi ai que tudo me chegou à mente; foi ai que o mistério foi revelado; foi ai que pude decifrar todos seus segredos; foi ai que vi o quanto o destino das pessoas pode ser cruel para uns e bondoso para outros; foi aí que eu vi aquele cidadão, antes promissor Advogado conversando comigo em algumas oportunidades nos corredores do Tribunal de Justiça e em determinada Delegacia que trabalhei, assuntos relacionados a Processos criminais ou Inquéritos policiais; foi aí que me lembrei de uma reportagem que um jornal sergipano fez sobre uma mãe em desespero querendo libertar o seu querido filho, estudioso, carinhoso, alegre e feliz com a vida, então Advogado preso nas garras do crack; foi ai que soube que os familiares desse cidadão tentavam interna-lo em clinica apropriada, mas ele se recusava tal tratamento por conta do poder avassalador e sobrenatural do crack que o arrastava cada vez mais para o fundo do poço; foi ai que lembrei que aquele Advogado entrou no imundo mundo do crack por conta de ter se envolvido com um traficante após conseguir sua liberdade na Justiça; foi ai que lembrei da citada matéria jornalística dizendo que aquele Advogado se desfez do seu escritório, do seu carro, dos seus bens, vendendo ou trocando tudo pelo crack ou para pagar dívidas com traficantes; foi ai que eu senti que aquele cidadão abandonou a sua casa e passou a morar no submundo da sociedade de Aracaju, nas ruas, no mercado central, nas marquises dos prédios ou em pensões baratas junto à prostituição rasteira, com seus iguais, pelo crack e para o crack; foi ai que eu imaginei que aquele cidadão então sobrevivia de algum dinheiro que ainda restava da venda dos seus bens, ou quem sabe, de depósitos efetuados por familiares na sua conta bancaria; foi ai que eu vi que um cidadão bem vestido, alinhado, com terno, paletó e gravata impecáveis pode se transformar num mendigo, num zumbi, num morto-vivo; foi ai que eu vi que a vida daquele cidadão era somente o crack.

Certamente sentindo-se arrasado, desesperado, impotente para resolver o seu próprio infortúnio, o seu calvário, lançando um olhar no passado esse cidadão, antes feliz Advogado, viu o rumo errado que tomou, mas não teve forças para voltar atrás, não queria se curar, não admitia tratamento porque o crack era mais forte do que a sua vontade, o crack era mais forte do que ele. O seu presente era só o crack, o crack como o senhor do seu viver, o crack como seu dominador, o crack como destruidor da sua família, o crack como aniquilador da sua vida. Crack e desgraça são indissociáveis e quase palavras sinônimas.

O crack é o grande mal do século, o mal dos males, a pior de todas as drogas, que se não for um mal que todos nós estejamos esclarecidos, irá nos afetar em qualquer momento de nossa vida ou na vida de quem mais amamos, como de fato aconteceu com esse cidadão e sua família, um jovem que estudou nos melhores colégios, que teve boas amizades, que se formou em Direito, que se tornou um Advogado, que tinha um bom escritório, que pretendia ser juiz por isso adormecia em cima de livros de tanto estudar, que tinha um bom futuro pela frente, mas que por ironia do destino, pelo poder sobrenatural dessa droga, tudo trocou pelo crack.

Rodeado e instado pelos sentimentos humanitários de enternecimento, compaixão, piedade até porque sempre fui dos maiores combatentes do crack, tanto na área repressiva quanto preventiva, com prisão de grandes traficantes na minha careira policial e inúmeros artigos de minha autoria pertinentes ao tema publicados em centenas de sites do Brasil, Portugal, Angola e Moçambique, logo pensei em falar com ele, oferecer algum tipo de ajuda moral, espiritual, mas seu olhar sisudo e com possibilidade de algum tipo de agressão me afastaram, me reprimiram até porque ele também não me reconheceu. Entretanto, todas as vezes que caminho pela citada área de Aracaju, procuro em vão e insistentemente com os meus curiosos olhos pelo triste cidadão entre os inchadinhos de cachaça ou barbudinhos zumbis do crack em muitos espalhados pela redondeza. Se o cidadão aceitou fazer tratamento, se fez ou faz tratamento em clinica de recuperação não sei, só sei que o poder de imensa e infinita bondade do nosso Criador pode sobrepor e derrotar o poder sobrenatural do crack como assim já fez com muitos. Assim, um dia espero ver aquele alegre Advogado de volta aos corredores do Tribunal de Justiça ou em Delegacias defendendo os seus clientes, menos os traficantes.

Autor: Archimedes Marques (Delegado de Policia no Estado de Sergipe. Pós-Graduado em Gestão Estratégica de Segurança Pública pela Universidade Federal de Sergipe) – archimedes-marques@bol.com.br

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

UMA COMPARAÇÃO MITOLOGICA ENTRE OS AMORES DE ARES O DEUS DA GUERRA E LAMPIÃO O REI DO CANGAÇO

Ares, na mitologia grega é o Deus da Guerra. Alegrava-se com a luta e se animava com o calor das batalhas. Sempre esteve presente nos maiores conflitos, nas guerras mais horrendas e se rejubilava com a carnificina e o sangue humano. Usando da sua força bruta derrotava e matava impiedosamente os seus inimigos. O jovem Deus guerreiro, devido ao seu vigor físico e sua fama de vitorioso e impiedoso sanguinário, conquistou o coração de Afrodite, a Deusa do Amor e do Desejo, que apesar de casada com Hefesto, Deus do fogo, terminou por cair nos encantos do Senhor da Guerra. Do caso proibido representando o Amor e a Guerra nasceu a Harmonia. Três palavras tão importantes no contexto da história que parecem nunca se separar.

Lampião, na história nordestina é o Rei do Cangaço, o Senhor das Guerras das caatingas. A exemplo de Ares, era animado com o calor das batalhas, se rejubilava com a carnificina e o sangue humano e também esteve presente nos maiores conflitos com as polícias volantes ou com as populações armadas que dispunham enfrentá-lo. O destemido Rei guerreiro, devido a sua fama de vitorioso e impiedoso sanguinário, conquistou o coração de Maria Bonita, a linda cabocla sertaneja do Amor e do Desejo, que apesar de casada com Zé de Neném, sapateiro afamado, terminou por cair nos encantos do Senhor dos Sertões passando então a ser o seu eterno amor, a sua louca paixão. Do Amor e do Desejo em meio a Guerra vividos por Lampião e Maria Bonita também havia a mesma Harmonia nascida de Ares e Afrodite.

Lutar e derrotar vendo os seus inimigos caindo aos seus pés era dos maiores atributos de Ares e de Lampião, verdadeiros guerreiros, verdadeiros líderes de batalhas diversas. Embora os seus exércitos tenham na maioria das vezes cometido atrocidades e barbaridades atrozes com assassinatos, estupros, torturas e demais crimes praticados até mesmo contra pessoas indefesas em ataques ou lutas desumanas e desiguais, eles viviam dos seus amores entre as guerras.

Foi nesse meio de sangue e morte em constantes batalhas que o guerreiro Ares se fez o Deus da Guerra a viver intensa paixão com a sua Deusa do Amor e, foi nesse meio fervilhante de sangue, poeira e sofrimento a lutar nas veredas dos sertões em constantes batalhas que a figura de Lampião se fez o Rei do Cangaço a viver intensa paixão com a sua linda e destemida cabocla, Maria Bonita..

Embora não fosse invencível, Ares era sempre acompanhado pela essência da Vitória. Era representado como um homem forte, persistente e predestinado a constantes triunfos. Por seu atributo, era uma divindade indesejada entre os antigos gregos que o invejavam e desejavam o seu posto. Encontrava, no entanto, justificada adoração por parte dos antigos romanos, povo de forte natureza militar, que via no Deus da Guerra o eco para o desejo e o sucesso de sua expansão territorial.

Embora não fosse invencível, Lampião se impunha para todos os seus inimigos e também era acompanhado pela essência da Vitória. Homem de grande resistência física, persistente e perspicaz, logo se destacou pela inteligência, liderança inconteste, coragem, frieza e crueldade, ganhando fama nacional e internacional como sendo dos maiores bandoleiros já havido na história do Brasil, indesejado e odiado por muitos e ao mesmo tempo, invejado, respeitado, adorado e querido por tantos outros.

Lampião foi morto na manhã do dia 28 de julho de 1938, na Grota do Angico, aqui no nosso Estado de Sergipe, aos 41 anos de idade, virando um mito e ainda hoje adorado por muitos como sendo um dos grandes guerreiros que o nosso povo já viu, apesar de bandoleiro sanguinário. Certamente quando vivo, incorporou o espírito de Ares, o Deus da Guerra, e viveu o seu único e eterno amor com a sua Maria Bonita.

Autor: Archimedes Marques - Delegado de Policia Civil no estado de Sergipe. (Pós-Graduado em Gestão Estratégica de Segurança Pública pela Universidade Federal de Sergipe) archimedes-marques@bol.com.br

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Um siri em necropsia

Temos de convir que a função de criticar ou elogiar não é tarefa fácil pois às vezes nos esbarramos em nossos próprios conceitos contrários que podem não ser os conceitos verdadeiros, no entanto, esses dois entendimentos podem estar presentes nas mesmas ações de uma só pessoa.

Não podemos esquecer de que o gosto de cada um é algo muito subjetivo e pessoal. Assim, o gosto que alguém considera ruim e errado, para o outro é considerado bom e certo. Tudo depende do ponto de vista de cada um e do mundo em que cada um vive. É por isso que se diz que há gosto para todas as coisas, que há gosto para tudo e a cada um seu gosto lhe parece o melhor e, em assim sendo, dentro dessa filosofia é que o presente texto não faz crítica ou elogio ao gosto do personagem principal, vez que contra o gosto não há argumento.

Há muito tempo atrás, mais de perto, no ano de 1985 conheci quando do meu ingresso na Polícia Civil de Sergipe, um cidadão que passarei a partir de então a chama-lo com o nome fictício de Matusalém, pois os seus familiares podem não gostar da história apesar de ter sido a pura verdade do que realmente aconteceu. Matusalém era um funcionário público exemplar, um excelente profissional, um dedicado e exclusivo, jamais igualado agente auxiliar de necropsia que trabalhava no Instituto Médico Legal de Aracaju. Trabalhava já então por sua livre e espontânea vontade, vez que as duas possibilidades de aposentadoria haviam alcançado o seu período laborativo, ou seja, tanto por tempo de serviço, quanto por idade, o referido diferente e irreverente servidor podia ir embora descansar na sua cadeira de balanço, contudo, não havia quem colocasse isso na cabeça dele, passando então o mesmo a ser considerado um patrimônio da casa, um patrimônio vivo e exemplar do IML do nosso Estado de Sergipe.

O IML não era somente o seu trabalho, era a sua casa, seu lar, sua vida. Para Matusalém a sua simples e difícil função era a melhor de todas as outras existentes. Cortar cadáveres, procurar projeteis ou objetos em suas vísceras, mexer em corpos putrefatos, buscar mortos mutilados em acidentes, ver sangue, sentir sangue, sentir o cheiro forte do formol, do morto e da morte era para o bom velho Matusalém uma satisfação incomum que ele realizava sem luvas, sem máscaras ou qualquer tipo de proteção possível.

Praticamente Matusalém trabalhava todos os dias em todos os plantões porque aceitava qualquer coisa em troca, por vezes até algumas doses de cachaça, para cobrir o expediente dos seus colegas.

Corria o boato que quase sempre Matusalém fazia as suas refeições no seu próprio local de trabalho, mais de perto, almoçava, lanchava ou jantava na mesma sala em que os mortos estavam sendo submetidos aos exames cadavéricos e, até colocava a água que bebia, suco ou qualquer alimento para gelar nas geladeiras em que também se guardavam os defuntos.

O meu primeiro local de trabalho foi a extinta Delegacia Central de Aracaju que era localizada no prédio vizinho ao IML, por isso a minha aproximação com os funcionários daquele Instituto, mais de perto com o velho Matusalém a quem melhor me apeguei pela sua simples filosofia de vida, apesar das nossas extremas diferenças.

Calouro na Polícia e metido a ser o melhor de todos, não diferente dos jovens policiais que se acham superiores aos antigos, aos mais experientes, então nas minhas horas vagas ou de menor movimento na Delegacia, não só pela curiosidade, mas principalmente para me acostumar com a situação fúnebre e horrorosa que tanto me causava náuseas e que eu achava ser condizente com a minha carreira, então passei a visitar a sala de necropsia do IML para assistir ao trabalho efetuado pelos Médicos Legistas, na maioria das vezes com o auxilio de Matusalém, que para dizer a verdade era quem fazia todo o trabalho pesado de cortar, serrar, abrir, retirar o cérebro ou as vísceras do examinado em busca das evidencias das suas mortes.

Certo dia caí na besteira de entrar na sala quando da chegada de um defunto afogado que fora achado na praia de Atalaia em avançado estado de decomposição, já bastante mutilado e até largando aos pedaços. Era o meu desafio maior, meu teste de fogo, para me acostumar de vez com a situação devido as tantas outras diferentes anteriormente a que me submeti voluntariamente assistindo a exames de todos os tipos de mortes possíveis.

Ali mesmo constatei em meio a uma fedentina insuportável, a pele podre das pernas do defunto ficar grudada nas mãos nuas de Matusalém, contudo, tal fato era só o começo do esdruxulo, pois o pior estava por vir: Não demorou muito e caiu no chão da sala um grande siri, um siri que a gente aqui em Sergipe chama de siri patola.

O siri que veio dentro da barriga do inchado e deteriorado cadáver afogado, agora estava ali no chão sujo da sala, em líquido gosmento róseo-avermelhado, desorientado e armado com as suas duas puãs tais quais tesouras apontadas para o alto no sentido de se defender de um possível ataque e, para minha surpresa escuto Matusalém dizer:

- Chegou o meu tira-gosto!...

Saí rápido da sala para vomitar lá fora e voltar para a Delegacia acreditando ser brincadeira aquela frase do meu amigo Matusalém.

Momento depois me chega o velho Matusalém já com o siri cozinhado, todo vermelhão e, cantando vantagem:

- E aí doutor, vai encarar?...

- Você está ficando doido Matusalém... Jogue essa porcaria fora!... Onde já se viu querer comer um siri que estava dentro da barriga de um defunto e ainda mais podre e nojento?...

- E qual é a diferença de se comer ele ou de comer qualquer outro siri?... Será que o outro que o senhor pesca ou compra na feira, também não comeu defunto?...

- Vamos ponderar um pouco Matusalém... Isso que você quer fazer, além de absurdo, anti-higiênico e nojento é deprimente, eu pago outro tira-gosto qualquer para você, mas jogue esse siri no lixo.

- Anti-higiênico não é, porque quando se cozinha, mata-se todos os micróbios. Nojento é aquilo que o senhor come sem saber de onde veio. Deprimente é o senhor comer algo pensando que é bom, quando na verdade esta sendo enganado, está comendo algo ruim, que não vale nada, que pode lhe fazer mal... Por exemplo: O senhor compra no mercado a carne mais cara que existe, o filé, entretanto esse filé pode vir de uma vaca que morreu de uma doença braba ou de uma picada de cobra... E aí?... Eu não quero que o senhor me pague nenhum tira-gosto não doutor por eu já tenho o meu... Só quero que me pague duas doses de cachaça que é pra eu comer o meu siri...

- Se é isso mesmo que você quer Matusalém, então seja feita a sua vontade... Pode ir andando pra birosca que eu chego já pra pagar a sua cachaça...

E ainda meio incrédulo, cerca de vinte minutos depois fui até o barzinho da esquina e lá chegando constatei os cascos e restos do siri dentro de um prato em cima da mesa, e Matusalém sentado ao lado se gabando:

- Só estava esperando o senhor para me pagar também a saideira, doutor... O siri estava gordo que estava uma beleza!...

Daquele dia em diante não mais comi um siri sequer e toda vez que eu vejo um, me lembro do meu amigo Matusalém, uma pessoa simples, leal, verdadeira e trabalhadora que viveu um mundo estranho dentro desse estranho mundo com o entendimento e gosto peculiar que era só seu.

O velho Matusalém morreu alguns anos depois dentro do seu próprio local de trabalho. Dormiu e não mais acordou... Morreu no seu paraíso, na morte que pediu a Deus... Morreu tão pobre quanto nasceu, mas me deixou uma lição: Vivemos em um mundo em que cada um vive o seu mundo, apenas nos adequamos às regras e ao mundo dos outros.

(Autor: Archimedes Marques. Delegado de Polícia no Estado de Sergipe. Pós-Graduado em Gestão Estratégica em Segurança Pública pela UFS. archimedes-marques@bol.com.br)